quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O velho e o Café...

Nascí e crescí nessa pequena cidade. Nada de interessante acontece por aqui, mesmo a cidade sendo bonita e sossegada.
Tenho um Café á moda parisiense, negócio de família que atravessou gerações e chegou até mim.
Todos os dias pessoas vão e vem. Conheço todos os clientes. Onde moram e o que fazem pra sobreviver. Vou contar uma breve história de uma garota que um dia me entrou pela porta. Ah, querem saber o por quê? Hoje ela é manchete de jornal. Estranhamente assustador. Suicidou-se.
Já ouví muita coisa atrás desse balcão. Muitos segredos foram ditos a esse velho enfadonho e cheio de calos deixados pela vida.
Mas ela me chamou atenção quando cruzou a porta com a mochila jeans nas costas e pediu um café forte. Sentou na mesinha perto da porta e me pediu um cinzeiro. Ví que de dentro da mochila tirou um velho caderno de anotações, e logo em seguida tirou as moedinhas do bolso e me entregou, dizendo ser tudo o que tinha. Até aqui, era uma cliente qualquer.
Foi quando a olhei nos olhos. Eram de um azul profundo e inquietante. Pareciam gritar por socorro. A velha calça jeans, o tênis sujo de poeira me fez perguntar de onde vinha.
Era de uma cidade ao norte. Fugiu de casa para ser feliz. Foi o que me disse, acendendo o cigarro barato fortíssimo.
Fiquei com pena daquela criança. Corpo de mulher em alma prematura ainda. Mesmo que tivesse lá seus 18 anos, me pareceu infantil.
Fugiu por ameaças do pai de matá-la. Engraçado, família nos dá a vida, e a dessa moça queria retirar.
Tinha o rosto vermelho de chorar, o cabelo oleoso por ter recebido sol demais destes dias quentes de verão.
Oferecí-lhe o quarto dos fundos para ficar para em troca me ajudar no serviço diário do Café. Estou velho e não tenho filhos. A vida quis assim e ví naquela oportunidade uma chance de me sentir pai ao menos uma vez.
Maria aceitou de imediato. É, bonito nome. Maria. Mary e Marie em suas derivações.
Me ajudava todos os dias, passou a frequentar a escola em cursos noturnos para adultos. Queria mais. Sempre mais. Determinada a moça. Tínhamos uma relação de pai e filha mesmo. Pouco falava do seu passado. Mas sempre que falava dele tinha pequenos surtos, resmungava qualquer coisa e ia chorar no banheiro. E ao fim sempre me calei. Não me importava mais com o que poderia ter lhe acontecido. O importante era o presente. E estava indo bem. Não precisávamos de maiores delongas.
Foi quando conseguiu ir pra faculdade.
Me deixou com lágrimas nos olhos dizendo voltar um dia. Fez Arqueologia. Me escrevia toda semana, tenho uma caixa enorme cheia de cartas contando tudo oque se passava. Pessoas que conheceu, lugares que percorreu. Foram longos quatro anos para que enfim terminasse o curso e mudasse para uma cidade grande. Era uma importante funcionária de um museu. Mas não voltou.
Somente postais me chegavam.
Percorreu o mundo inteiro. Mas sempre sozinha.
Sempre pedindo para estar sozinha. Achei que tivesse superado as primeiras dificuldades da vida, mas não. Me voltou depois de oito anos longe.
Quando passou pela porta, ví a mesma garota de antes, os mesmos olhos sufocantes.
Tomou o seu café e perguntou se ainda guardava suas coisas no quarto antigo. Foi aos fundos e voltou com o velho caderno de anotações. Me abraçou forte e me olhou nos olhos, agradecendo a vida que eu pude proporcionar a ela. Ficamos abraçados muito tempo. Não uso relógio, então, não sei dizer em minutos. Mas foram muitos e os últimos.
Disse que ia rever os amigos e passear perto do rio das Lamentações, ver a velha ponte. Caminhar.
Mas não voltou. Nem vai voltar pra me abraçar.
Acho que o nome do rio a inspirou. Época de seca por estas bandas, estava raso demais. O pescoço não aguentou a pressão da cabeça batendo no fundo.
Dois meninos brincando metros depois a viram se jogar para o fim. Gritaram para as pessoas que passavam, mas era tarde. Muito tarde.
E os olhos continuaram os mesmos até depois de sua morte.
Hoje, durante o enterro, enfim entendí o que faltava naquele azul profundo.
Esperança.
Era o que lhe faltava.
E eu? Vou continuar sem filhos, atrás desse balcão servindo café até o fim da vida, olhando a mesinha perto da porta, pedindo pra ela voltar.
Ou quem sabe, pedindo pra vir me buscar.

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Bom, esse textinho sem graça fiz pra passar o tempo.
Esses dias e madrugadas enfadonhos estão me enlouquecendo.

Bjos á todos e todas!

O/

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